Blue Living - Be water my friend..

...mais do q pessoal, reflexoes sobre a crescente desumanidade social e sobre as nossas lendas pessoais...a minha? o mar!

terça-feira, janeiro 17, 2006

Por quem dobram os sinos do pontão?

O vento soprava forte de terra, como quem diz de norte, frio, alisando as vagas à sua passagem.
Contrapesava a presença forte do Sol de Março que perdedo a timidez, assaltou a praia definitivamente. Afinal de contas a Primavera é uma estação de conquistas.
Os sinos do pontão dobravam em torno dos ciclos oceãnicos anunciando o manto cinzento da tempestade, e das linhas nascidas nas origens dos mares de fora. E aquela figura vestindo negro estampado, cortava de popa náutica o hipnotismo daquele momento solene, de admiração, côrte e respeito.
Épocas houve em que o medo era mais que a vontade, hoje são peças do mesmo puzzle, cores do mesmo quadro pintado, e o abraço surge da terra castigada pelo sal. Não haja dúvidas: Existem 3 tipos de Homem, os vivos, os mortos e os Homens do mar. Não há lugar para poetas.
E por isso digo que não sou escritor, nem poeta, porque caso fosse, conseguiria decompor em palavras as horas que passo em frente às vagas, ouvindo, escutando e aprendendo. E conseguiria melhor ainda desenhar o sorriso que surge quando o vento muda e encara as ondas de frente enquanto as nuvens e as horas vão passando na cupula celeste.
Não sei falar do frio que percorre as temporas quando enterro a cabeça por baixo de água, escapando à rebentação desafiadora de uma surfada matinal.
E muito menos do calor que persiste nas mãos e cara até muito depois de sairmos do oceano.
E assim assumo sem distinção, não sou poeta, sou do mar.
E talvez um dia o meu escrever seja igual ao meu respirar perto do mar, o meu mar, o nosso mar. Mas até lá, sou apenas do mar.

No dia de S. Valentim

"..e hj o sol fugiu para detrás das casas,esgueirou-se ao mar,e deixou a lua tomar conta do céu"

Sempre que o mundo me puxa o tapete debaixo dos pés eu busco guarida, refúgio numa toca escondida e isolada, sem vozes nem rostos por perto. Sufoca-me a própria condição humana, e sinceramente, não preciso de mais uma tentativa falhada de Deus ao meu redor para contribuir para o fogo de artificio funesto.
Empurro todas as caras para longe, a distância é mais segura e menos violenta para quem ouse trespassar os meus limites nestes dias de tempestade.
Não atendo. Deixa tocar. Eu tenho direito a ser humano, perder me nos meandros da mesquinhez e indução. Quero estar só.
As imagens sobem-me à cabeça em "flashes" a preto e branco, desfocadas, vertiginosas, rápidas. Vomito lágrimas em agonia e mesmo assim a angustia pertence me, recusa-se a sair.
O exorcismo é sempre em vão quando os nossos demónios estão enterrados no nosso jardim.
Os corredores do hospital ganham contornos surreais e os cheiros inundam-me os pulmões, roubam-me o ar e asfixio em ansiedade enquanto caminho para o quarto.
O que o tempo faz... Corroido, atrofiado pela garganta dos anos, jaz naquele amontoado de lençois metade da pessoa mais importante da minha vida... A outra inclinada na cama, fascinantemente e incansavelmente, acaricia-o repetidamente, chamando o seu nome, e vendo nele quem a acompanhou durante 60 anos da sua vida...
A mim, só o chamar de algumas recordações do sr. que coleciona estrelas cadentes, tingem me de água o olhar, enevoando a visão já de si escusa.
O seu respirar é feito com dificuldade, mas eu vejo a fé, a necessidade da presença fisica:
"Ele é tudo para mim, ainda assim ele é o meu Quim... Que faço daqui em diante??"
Mas ainda não acabou, nunca acaba quando nós julgamos que acaba, da mesma forma que julgamos conhecer o nosso inferno, até ao dia que somos apresentados ao Diabo.
Agoniado com a ideia forte de que o pilar sou eu, as pessoas apoiam-se em mim, conta comigo e os espaços são para não vacilar. Sê o exemplo.
Mas não sou. Estou em ruinas, e procuro o meu caminho, de vestes rasgadas, com frio, triste e sem voz. Tal é a força da ameaça.
Saimos dali.
Caminhamos pelas ruas empedradas e escorregadias da leve chuva que caira antes.
A minha avó vinha hoje mais animada, achou-o mais atento e desperto.
Caminhava de braço dado comigo. Sem o saber, ela foi hoje a minha bengala, o meu apoio.
Passavamos na rua Direita, a rua do comércio, e um senhora interpelou-nos.
"Uma rifa Sra.? Uma rifa 50cent, para as crianças da Ludoteca. Uma rifa de S. Valentim D. Margarida!! O vencedor ganha um jantar para dois no dia 14 de Fevereiro, num restaurante a escolher dentre uma lista de patrocinadores."
A minha avó, estacou. Parou por um instante. Em seguida olhou-me bem fundo nos olhos, e eu ai soube o que ela ia fazer ainda antes de realizar.
Abriu a mala, tirou a carteira e disse:´
"Teresinha, dê-me 3 rifas! Uma para o meu neto e outra para o meu filho. E a terceira é para mim e para o meu Quim, no nosso dia de S. Valentim."

23:15 10/02/2006