Blue Living - Be water my friend..

...mais do q pessoal, reflexoes sobre a crescente desumanidade social e sobre as nossas lendas pessoais...a minha? o mar!

sexta-feira, outubro 22, 2004

"Quando nos deixamos vencer pelo sofrimento ele mata-nos, quando o enfrentamos, ele transforma-nos num ser melhor."

É pesado este fardo. Nem sei como pesá-lo, ou dar-vos a ideia do quanto custa carregá-lo. É tão díficil falar dele como escrever. Acreditem. As minhas mãos tremem.
Todos nos julgamos fortes até a vida e as suas circunstâncias nos provarem o oposto.
Como habitualmente vim visitar os meu avôs.
Os meus avôs criaram, devo-lhes a totalidade de quem sou.
Hoje em dia o meu avô mal fala. Olha-me ausente, sonhador, e não me reconhece. Confuso, chama-me Avelino e pergunta pela caça. Eu habitualmente respondo-lhe que não tenho tido sorte.
Hoje foi diferente. Geme, custa-se a movimentar, as suas palavras são curtas e inacabadas, sombras do que deveriam ser, tal como a boca que as tenta articular.
Olha para a televisão, e eu tento adivinhar o que será q ele vê.
Ele tem alzheimer.
Desvaneceu-se algures dentro daquele turpor demencial. Deixa-se ver de vez em quando, quando os olhos brilham e sorri.
Doi. Doi muito.
Ouvi alguém dizer que devemos escrever acerca das coisas que não controlamos. É uma forma de as ultrapassar.
Eu sei que nunca vou ultrapassar. Eu sei que estes sonhos vão me continuar a acordar durante as noites, sem fôlego, impotente, devastado.
Por uma vez gostava de poder desabafar em choro descontrolado, em vez de fingir que é tudo perfeitamente normal...Deixar de ser um pilar de sossego e equilibrio e bradar aos céus, perguntando "Porquê!!??".
Gostava de ter o direito a chorar esta perda, de fazer o luto de cada pedacinho que desaparece diariamente. Mas não posso. Tenho que permanecer forte, impassivel e sereno, sorrir até candidamente quando lhe pergunto quem sou e ele não me responde.. ele, que foi um pai para mim. Mesmo que chorasse, ele nunca ia perceber os meus soluços.
Então amordaço-me com os lençois e almofadas, abafo os gemidos no escuro à noite para ninguém me ouvir, para ninguém jamais saber o tamanho desta ferida que não se vê, mas que doi como qualquer outra que chaga a carne. E doi, e continua a doer até ao dia...