Blue Living - Be water my friend..

...mais do q pessoal, reflexoes sobre a crescente desumanidade social e sobre as nossas lendas pessoais...a minha? o mar!

segunda-feira, dezembro 27, 2004

O meu segredo

Olhava fixamente para aquela última árvore que parecia querer caminhar para o mar. A lua cheia no céu limpo, iluminava as minhas passadas pesadas e penosas. Pensava se o solo seria digno para o seu túmulo.
Sentia ainda o seu calor nos braços, bem como as suas fugas rebeldes após um ataque de carinhos no meu colo.
Trazia junto com ele um peso ainda maior. A solidão com cheiro de morte.
A areia desfazia-se a cada passada, e a cada passo deixava atrás de mim um rasto de migalhas húmidas do pão dos meus olhos.
Embrulhei-o o melhor que pude, aconcheguei-o e falei com ele.Perguntei-lhe: "Porquê Salomão?"
Trazia-o junto ao peito, e afagava-lhe a sua cabecita tombada, inerte.
O seu sangue passou a ser o meu de hoje em diante, sei que ele estará para sempre na minha cabeceira da cama, no lugar vazio a meu lado nas longas viagens, sentado na areia da praia onde lhe mostrei finalmente o que era o mar que tanto lhe falei.
Mais um ataque de choro. Forte. Parece que as costelas se vão despegar do resto do corpo com a força com que arranco esta dolorosa tristeza de dentro de mim, bem la do fundo. Nunca vai passar, nunca vai sarar.
Odeio o filho da puta que fez isto!! Quero que lhe aconteça o mesmo, que sofra devagar e com requintes de malvadez. Quero descobri-lo, saber o seu nome, persegui-lo em todos os seus passos e mostrar-lhe o tamanho da minha ferida. Da nossa ferida. Quero que ele saiba que fui eu que lhe encomendei a alma ao araúto da vingança. Que tenha uma miserável e execrável partida desta vida. Partia-o em mil pedaços antes de o abater sem piedade. Descolava-lhe a pele da carne com o vapor da minha raiva. Matava-o. Matava-o.
A cova foi aberta. Olho para ele uma última vez antes de o cobrir. Deixo-lhe uma oração que o acompanhará sempre, além dos limites do físico. Continuo a chorar. Sinto a sua perda como a de um irmão. O seu lugar estará vazio daqui em diante, e esta impotência causa-me vómitos.
Ajoelho-me em frente à sua campa. Fecho-lhe os olhos e limpo a sua boca ensaguentada. Cruzo-lhe as patinhas abraçando o meu amor com ele.
Cerro os punhos, contenho com toda a força quanto tenho. Tenho que destruir alguma coisa. Este crime não pode ficar impune...continuo a escrever.
Como se fosse uma mãe a deitar o seu filho, deito-o como se fosse o meu no seio da terra.
Aos primeiros grãos de terra que o cobrem, a dor assalta-me e eu não tenho para onde fugir. Eu e ela, durante toda a noite.
Tem um ar tão tranquilo, parece que dorme. Que durma, que descanse, que caminhe neste preciso momento para um lugar melhor. Que um dia eu o possa encontrar como o deixei...a meus pés, a nosso lado cá em casa.
Até esse dia guardarei comigo as suas tacinhas da comida, a sua caminha vermelha.
E o culpado pela sua partida prematura e homicida que se cuide. Eu vou atrás dele.
Finalmente está tapado. Memorizei o lugar desta cerimónia como se fosse mais um canto da minha cabeça.
Não era só um gato, era um Irmão. Não era só uma companhia, era um Amigo. Não era só outra presença, era eu e mais eu, e mais eu. Seremos um Salomão, somos um, Amigo.
Chamarei o teu nome em silêncio, chamarei por ti nas horas dificeis como agora, como esta noite.
E sei que não me deixarás...
Amar-te-ei sempre meu querido Salomão...
27.12.04
B.