Blue Living - Be water my friend..

...mais do q pessoal, reflexoes sobre a crescente desumanidade social e sobre as nossas lendas pessoais...a minha? o mar!

sábado, janeiro 28, 2006

O Sr.Nobre, a Sra. de Azul, A avó, O Avô e outras tantas histórias.

Atendo o telefone. Aguardava notícias.
Preocupado mas tolerante, avanço sem prestar atenção aos mundos que me circundam e abalo de imediato para Portimão.
Cheguei passados 20 minutos de Via do Infante. Magnifica e esplendida hora em que foi construida, ainda que tenham usado como modelo de construcção a pista de motocross do semedeiro com os seus pulos amplos e pronunciados e se tenham cingido a 3 camadas de alcatrão de primeira, quando o orçamentado foram 5 camadas. Mas isso são outras histórias.
A sala de urgências estava cheia, repleta de doentes, utentes, pessoas necessitando de cuidados de saúde, uns pintados de amarelo, outros de laranja, outros de verde e outros ainda, mais raros, de azul.
Doentes ou utentes? Boa questão! De facto o problema não está na nomenclatura, mas sim no modo como são tratados.
E como são tratados? São-no de modo igual, doentes ou utentes! Como números, como senhas, não como pessoas aguardando vez para se tratarem e irem descansar o merecido fim de semana, mas mais como entroxos, que não tem mais nada que fazer do que adoecer, roubar as horas de café e cigarrinhos ao pessoal do serviço de urgência e permanecer em amena cavaqueira numa sala desconfortavel, árida, parca em simpatia e informações. Mas isso são outras histórias.
Sentei-me ao lado da minha avó. Beijei-a na testa num reprovador gesto de carinho. Devo ter passado ao lado do sinal que proíbe toda e qualquer manifestação de carinho na sala de urgências. Por isso mesmo, um casal jovem, agarradinho, era olhado com tanta insistência pela senhora de azul que atendia os recém-chegados ao serviço publico atrás do "guinchet" de vidro acrilico e com as portinholas fechadas. "Deve estar tirando um mestrado em leitura de lábios e comunicação extra-verbal", pensei. Mas isso são outras histórias.
Falando com as pessoas em meu redor, fiquei a saber que algumas se encontravam ali desde as 11 horas da manhã. Olhei para o relógio. Marcava 14h30.
Duas sras. estrangeiras, escocesas talvez pelo seu sotaque contavam-me as suas banalidades de férias e da maldita picada de mosquito que inchou a cara a uma delas, num estilo de nôtre dame e quasimodo. Mais, de vez em quando ouvia-se o médico fazer a chamada de um nome pelo altifalante, e sinceramente, parecia que ali na sala de espera todos estavam num gigantesco aquário ou então eram os médicos que competiam a ver quem conseguia dizer a frase mais longa ao altifalante com o pior sotaque possivel e submerso por mais tempo dentro de uma arrastadeira com água. Mas isso, são outras histórias.
Eram agora 16h da tarde. O meu avô dera entrada cerca do meio dia e vinte. Até agora, tinha sido apenas feita a triagem, e sabia por meio da sra. de azul do guinchet de acrilico com as portinhola fechadas, com os olhos fechados como o mr.magoo, uns oculos na ponta da penca como se fosse uma escrivã, que tinham sido realizadas uma radiografia ao torax e analises ao sangue.
Retorqui: "Minha sra., eu sou médico dentista, e sei mto bem quanto tempo demoram esses exames. Por isso gostava de facto de saber o que se passa."
Ouvi um seco: "as analises estão com um atraso de 3h30m e a médica já vem falar consigo", virando me as costas em seguida.
Mordi os dentes, repuxei a pele dos lábios e contive uma linguagem censuravel. Deixei passar mais uma horita, ouvindo banalidades. No fundo, as banalidades dos outros fazem-nos sentir realmente uma relação de parentesco com a humanidade, como disse uma vez Oscar Wilde. Mas isso são outras histórias de facto.
Continuei na conversa com a minha avó, mas a dada altura voltei-me e estava toda a sala de espera de olho em mim. Em mim, o médico contestatário, que não usava os seus conhecimentos e cunhas para passar à frente de todos os outros. Nem eles sabiam quão fácil seria de mostrar a minha cédula profissional e ir lá dentro visitar o meu avô.
Mas queria e quero sempre dar um bom exemplo. Não pude vacilar! Voltei-me para a sra. de azul do guinchet de acrilico com as portinhola fechadas, com os olhos fechados como o mr.magoo, uns oculos na ponta da penca como se fosse uma escrivã, e agora também antipática, e fiz-lhe sinal. Ignorou-me. Chamei-a novamente. Ignorou-me, olhando para um maço de papeis.
Abri bem a palma da mão e espetei-a numa palmada no vidro, com o maior ruído possivel!
Veio o segurança e ela mandou um pulo da cadeira, o que muito me agradou! Disse-lhe em voz alta para ser ouvido:
" Minha sra., agora que já tenho a sua atenção, queira ter a gentileza de me passar o livro de reclamações, uma esferográfica e de me dizer o seu nome. "
Com um sorriso provocador agradeci, enquanto ela e os seguranças olhavam para mim como se eu fosse um dos 3 porquinhos e eles primos do lobo mau.
Escrevi uma página completa. Não deixei um espaço em branco sequer.
Reclamei. Reclamei. Reclamei. E ainda acrescentei: "Se todos reclamássemos o que temos direito de certeza que as coisas não andavam com 4 ou 5 horas de atraso!"
E as sras. de idade com as malas a tiracolo sentadas e as suas permanentes de cabelereiro da serra acenaram a cabeça em tom de aprovação ao mesmo tempo que cochichavam umas com as outras o que se passou.
Entretanto surgiu um sr. que estacou junto da minha avó e reconheceu-a, andando tropegamente na sua direcção. Era o sr. Nobre, um conterraneo de Monchique.
"Então Guida, veio ao Algarve?" e sorriu mostrando a sua protese removivel horrivel desencaixada, acrescentando ainda " E qual é a receita? A receita de não envelhecer e estar ~tão novinha??"
A minha avó, no meio de todas aquelas histórias, ainda arrancou um sorriso e disse:
"Oh sr. Nobre, é da água! Da águinha de monchique!" E todos em redor riram.
Finalmentes, às 18h45 da tarde, alguém se dignou a falar connosco acerca do meu avô.
As sras. escocesas foram tratadas após muitas calinadas de terceiro mundo, o sr. nobre passou à frente de toda a lista de espera porque tinha um familiar que tinha uma "cunha", a sra. de azul do guinchet de acrilico com as portinhola fechadas, com os olhos fechados como o mr.magoo, uns oculos na ponta da penca como se fosse uma escrivã antipática, por lá ficou a resmungar.
E ainda lá há-de estar. Mas isso é outra mesmo outra história.
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Ps- Nesta história posso lhes garantir que nenhum funcionário publico foi injuriado, lesionado ou despedido.