Blue Living - Be water my friend..

...mais do q pessoal, reflexoes sobre a crescente desumanidade social e sobre as nossas lendas pessoais...a minha? o mar!

domingo, setembro 21, 2014

Chefchaouen..A verdade.

Desde novo que oiço vozes.

Palavras e visões sussurradas ao ouvido. " Vai por aqui. Vai por ali. Tem Calma. Aguenta, resigna, encaixa o golpe e respira. Um dia vais ser feliz . Um dia Ela vai ser tua, um dia vais completo. O Mundo melhorará..Tende fé ."

Passaram-se anos, enquanto o mundo girava, pulava e avançava.

Observei, em silêncio, contido, fechado. Guardando para mim o que podem apenas ser rasgos de loucura, traços de psicose aos olhos dos Outros. Mensagens, Indicios.

O Planeta grita e a mãe natureza crispa-se perguntando-se como o seu sonho mais lindo e audaz, pode ser afinal, a razão para a destruição progressiva de tudo aquilo que se conjugou magicamente há billiões de anos. E nem a extinção de espécies irmãs, o aparecimento de epidemias, as alterações climáticas, a fome, as guerras, os exterminios, a avareza, a ganância, o capitalismo, -  e um sem fim de atrocidades que puxam mais fôlego de mim, do que o que tenho disponivel para gastar na descrição dos passos do Homem - serviram de alerta ou despertar para as " infidaveis capacidades compassivas, solidárias e conscientes do bicho Homem ".

Ah, malditos: se eu tivesse a possibilidade, carregava  no botão vermelho e terminava com isto tudo de uma assentada só. Não me entendam mal: apenas pretendia um "reset" à Humanidade. Um "start over"...  Uma simples tempestade solar chegava para "fritar" todos os dispositivos elétricos do mundo, colocando-nos num antes, que afinal, não é um passado assim tão distante.

Mal por mal, continuamos na idade das trevas, e ao menos, que não se desperdiçe a Luz a disfarçar a verdade do dia de Hoje.

Quando de repente, já não sabemos o que nos importa realmente, o que fazemos? Quando deixamos de acreditar, o que fazemos?

Desapego. Desapego. Desapego. Compaixão. Tolerância. Abnegação. Compreensão. Resignação.

Não podes mudar o mundo, muda-te a ti. Muda o mundo em teu redor.
Terás o privilégio de pisar uma estrada de espinhos e ainda assim, fechar os olhos e sentir o perfume de rosas.

É fácil. Podes ser uma Barbie, podes ser um Ken. Podes ser uma personalidade desde que tenhas "likes" suficientes para isso. Podes mudar de cidade, mudar de nome. Criar novos amigos. Viver numa outra esfera social. Limpar as alcunhas do passado e ser a capa de revista que sempre desejaste.
Emagrecer, cortar, esticar, encher, vazar, comprar, adquirir, possuir, vender, exibir. Também podes.

Mas não mudas o mundo onde vives. Não sozinho, Não sem cumprir o sonho da criação.

E alguém há-de ter percebido a ironia umas linhas atrás.

A caminhada levou-me a perceber que enquanto não tiveres a capacidade consciente de criar felicidade dentro de ti - a Complitude independente e isenta do próximo, do fisico, do materialismo - nada faria muito sentido. E a tristeza oculta na água dos olhos, continuaria lá.

Cumprindo o conselho do oráculo, parti, deixando tudo para trás, até mesmo o meu coração.
Nada me faria tremer. Aquilo que não nos acrescenta, só nos atrasa. É peso morto.

Homenzinho pretensioso e arrogante este, hein? - como dono da verdade, consegues perceber qual o potencial de cada um? Reconhecer a sua capacidade de evolução? O designio de mudança para mais próximo da essência da coisa?

No fundo, sempre pensei que ser santo, era fácil para quem vivesse em reclusão social, em clausura e longe das atribulações humanas. Sem ter que lidar com os "outros" numa forma pessoal, sem ter que pagar tributos, impostos, ceder a pressões sociais e lidar com as emoções.

Aprendi a viver comigo. A ser feliz sozinho. A passar o tempo comigo. Cultivei a criança interior, e espalhei seus frutos o melhor que pude. Sem deixar cair o traje e sem esquecer o mosteiro.

Aprendi a escrever Amor de uma forma tolerante e incondicional. Mas não estava no mosteiro.

E um dia, enquanto viajava por Marrocos, cheguei a Chefchaouen. A cidade toda pintada de azul.

Sendo moço de azul por conveniência biológica e causalidade genética, foi fascinante descobrir tamanho local.Com dias de viagem em cima, resolvi descansar por uns dias lá.
Sentado num fontanário perto da praça central, resfrescava-me chapinhando água para a cabeça e deixando-a escorrer pela cara.


Não era o único a tirar proveito daquela frescura onde as sombras não abundam.

Ao meu lado, sentou-se uma figura feminina, toda enturbada. Apesar de totalmente recoberta, senti imediatamente o cheiro do vento. E à medida que o seu rosto se despia em direção ao pescoço, reconheci em si a suave luz das estrelas, a gentil chuva de outono, o cantar das andorinhas a voar em circulo perfeito, os diamantes da neve, o aconchego da noite e o beijar lento dos dias de verão.

Era Ela. A que me tinham sussurrado ao ouvido que ia ser minha um dia. Aquela da qual eu já tinha desistido duas vezes, para sempre - Para Sempre mesmo!! Aquela que já me tinha esquecido outras tantas. Aquela de quem eu tinha tantas vezes fugido.
Têm que entender. Sabem o desconfortavél que é sentir o chão a tremer debaixo dos vossos pés? Sentir borboletas, na barriga? Borboletas não. Abelhas!!! As mãos não encontrarem posição para se firmar? A garganta a secar? As palavras a fugirem porque o cérebro simplesmente pára?? E ainda assim manter a postura?

Resolvi não fugir. Falei com ela. Disse-lhe duas ou três frases e que iria ficar uns dias por Chefchaouen . Convidei-a para um chá ao pôr do sol com vista sobre o deserto - em jeito de suplica - e fiquei a aguardar resposta.
Um desastre, naturalmente. Uma criança corada e sem jeito é sempre uma criança corada. Talvez por isso, a resposta nunca mais tenha chegado. Ou provavelmente, ela me tenha esquecido mesmo, e não haja magia nenhuma num encontro aleatório no meio das montanhas de Marrocos. Provavelmente, a magia está na minha mente deturpada e desajustada ao mundo.

Confuso, acabei por sair de Chefchaouen .  apesar de ter ficado o tempo todo preso à ideia de que um simples bilhete, em papel dobrado, com uma hora marcada, nunca chegou até mim.

Hoje, sou ainda mais escuso para o Mundo. Vivo num vale, com água, árvores, terra cultivavel e uma tenda. Afastei-me de tudo e de todos. Não vejo televisão. Não quero telemóvel. Não tenho internet e tanto quanto sei, o mundo pode acabar.
Passo os dias a tocar e a escrever musicas e no tempo livre fabrico peças de barro que vou pintando de azul, e deixando espalhadas pelo campo. Lembrando de como a mais forte convicção é um grão de areia na maré enchente, e que existem forças que simplesmente não conseguimos controlar.
Há perguntas que nunca terão resposta nesta vida e o Amor, é uma delas.

Esta poderia ser a minha história.