Blue Living - Be water my friend..

...mais do q pessoal, reflexoes sobre a crescente desumanidade social e sobre as nossas lendas pessoais...a minha? o mar!

segunda-feira, fevereiro 28, 2005

Foi assim que tudo começou...

Desde a primeira classe que ele suspirava, de um modo muito cândido pela Ana Sofia. Apesar disso, nunca deixou de ir jogar à bola para defender a honra da turma, contra os rivais da classe da D.Fátima. Mesmo quando desejava ter a afoitez de certos e outros meninos que se abeiravam das meninas e as convenciam a ser namoradas deles por uns instantes, ou uma tarde.
Isso não. Ele ou queria algo a sério ou não valia a pena sequer tentar. Mesmo novo, tinha adoração pelos contos que o seu avô lhe contava, de amores nobres, cavaleiros e princesas, e de finais felizes e honrados. Nada de novelas brasileiras que mostravam outros andamentos. A Ana Sofia Franco, merecia o melhor!
Mas mesmo assim, ele trocava uma ou outra palavra de circunstancia com ela, e virava as costas fingindo não se importar, quando iam jogar ao bate pé. Feito de fibra, queixava-se aos horizontes e às canelas dos seus adversários.
Passou a 2ª classe toda nisto. Sempre a mesma atitude de fuga e de indiferença.
Certo dia na 3ª classe, a professora, a D.Filomena, interrompe a aula e diz:
- Meninos, tenho uma noticia triste para vos dar...
Foi o suficiente para todos deixarem de fazer o quer que fosse que estavam a fazer, que não era dar atenção à aula, e pregarem os olhos no corpanzil redondinho da professora de Poço Barreto.
- Quem daqui gosta da Ana Sofia?
"Gostar? Gostar como?" - pensou ele
De subito, o Jorge, o arruaceiro da Oura, levantou-se inesperadamente e assumiu-se como fã. Em seguida, e para não ficar atrás das atenções, ergueu-se o Zé Antonio... A coisa no recreio ia pegar fogo!!
Mas não pegou. E porquê? Porque o nosso menino contou até 3, e levantou-se também. Assim, firme e resoluto, um gigante em nome do romance.
A professora sorriu, docemente, e percebeu a ternura daquele gesto. Para conter o espanto da turma, acrescentou:
- Todos nós gostamos da Ana Sofia não é assim? Pois bem a noticia que eu tenho para vos dar, é sobre ela. Ela vai sair da nossa escola.
O nosso menino colapsou. Entrou em choque. Deixou de ver a cores e tudo.
"Agora ela ia-se embora?? Depois de tudo isto? Mas ela nem me chegou a responder ao bilhete que lhe enviei, com as cruzinhas do sim ou não..."
Ficou triste. Foi o seu primeiro amor, a sério, sem brincadeiras nem jogos. Foi o primeiro vislumbre da idade adulta que teve, sentir aquele peso no peito.
Certo dia, na 4ª classe, lançava umas bolas ao cesto, quando foi despertado daquela fixação pelo burburinho das meninas da sua turma. Rodeavam alguém, aos gritinhos e risos.
Elas aproximaram-se e conseguiu ver quem... Era a Ana Sofia.
O menino fez-se de todas as cores, mesmo aquelas que deixara de ver!
Uma das meninas veio chama-lo.
"Olha!! Vai lhe dizer ola! Ela quer te ver também!!"
Não acreditando, e com a sua mania da perseguição, abalou a correr para a vedaçao que limitava a escola do resto do barrocal algarvio, e deixou-se la estar a tarde toda, agaixado para que não o vissem.
Assim fez, e às 16h regressou para o autocarro, contente por ter escapado ao gozo dos seus colegas, por chamar seu peito de Ana Sofia.
No seu lugar à janela onde ia fascinado com o traço continuo da berma da estrada, tocaram-lhe no ombro.
"Olha, deixaram isto para ti"
Virou-se e recebeu um papelinho amarrotado, amarelado e gasto de estar tão bem guardado.
Desdobrou-o com cuidado e curioso.
Era a sua letra. E dizia assim:
" Ana Sofia, não quero uma tarde a teu lado, mas todos os dias uma tarde das tuas." - e por baixo tinha dois espaços em branco com um traço, cada um por baixo de uma de duas palavras, sim e não.
E por baixo do sim, tinha uma cruzinha.



Nota - esta é uma historia veridica. admito que não foi retratada com todos os elementos que gostava de adicionar, mas surgiu no meio de 3 outras historias que estou a preparar, e achei que se poderia perder no meio das outras. Assim sendo, e como as memórias aproximam-nos de quem somos, resolvi traze-los para mais perto de mim.