"O Mouro de Pedra - 2ª Parte"
No dia seguinte, apressando o Sol, levantou-se direito à frescura da rua, vazia e só no lusco fusco. O seu peito galopava, e a mente viajava por todo o tempo em que se conhecera assim, feito e criado.
Levava consigo o bloco de escrita e a sua viola, tatuada de feridas de guerra, companhia eterna das suas viagens, calor nas noites mais frias e sós.
Saiu em direcção ao Mar, para o tal promontório que a luz cumprimenta, ainda antes de se sentar na areia da praia lá em baixo.
Dedilhou as cordas, fechou os olhos e deixou o restante abrir caminho do coração. E da noite anterior cresceram as primeiras palavras:
"I want to thank you, for setting my soul free,
I want to share all this pain and misery
´Cause when you left me, the skies fell down on me
Just like the holy waters when Moses parted the sea
There´s no turn around, there´s no leading sound
´Cause this pain kills inside
And there´s no Ocean where I can hide
Sometimes Love is just not right,
But girl I gotta tell ya, I feel right on time.
I want to thank you for setting my soul free
I want to share all this pain and poetry
´Cause when I went for you,
You lighted my tired sight
And your tender smile guides me through the night"
Reciclou a mágoa que vestia fazia já tanto tempo, retirou o luto que o cobria, desde que o amor lhe escapara. Foi então, enquanto derramava o seu sorriso para a manhã, que notou que não tinha com que escrever o que recitara o seu coração.
Assustado com o gatuno que é o esquecimento - já não era a primeira vez que perdia para ele - declamou de novo do princípio ao fim a melodia, onde arrumou a letra, as palavras uma por uma.
Foi assim para casa antes de partir para a faina; foi assim todo o dia, neste desafio de esperança que é o amor incauto, inquieto e fulguroso. Não falou, recitou. Não descansou, cantou. Não comeu, cantarolou. E não, não se esqueceu; a sua memória não se vergou.
Amarrou-se a essa canção, como Camões aos Lusíadas, e acreditem, ainda viria a enfrentar iguais dificuldades. As tormentas da vida não se fazem anunciar por nuvens negras.
Na oitava noite havia festa. A populaça estava toda reunida, dançando e pulando no cais. Foi procurar no meio do magote de gentes. Discreto e pouco à vontade, estacou desconfortável no centro da enorme confusão. Imobilizou-se, viu uma silhueta no canto da vista. Ela aproximava-se debaixo daquela lua de todos.
Tentou chamá-la. Tentou tocar-lhe. Rouçou-lhe ao de leve, sem tempo para articular palavras, quanto mais uma frase.
Ela virou-se e sorriu, disse "Olá!" e apontou para onde e quem seguia.
Afastou-se, e ele voltou à escuridão.
Na sua ingenuidade, deixou-se estar, a sua insegurança prendia-o, e não a seguiu, nem com o olhar. Julgou perde-la - mas perde-se o que nunca se teve?
Fim da 2ª parte