Blue Living - Be water my friend..

...mais do q pessoal, reflexoes sobre a crescente desumanidade social e sobre as nossas lendas pessoais...a minha? o mar!

quinta-feira, agosto 22, 2013

Em Agosto...

Em Agosto, agonio. Vomito asco. Vejo coisas que não quero ver, sei coisas que não quero saber, e compactuo com elas. E não sou político.
Lavo-me, vezes sem conta, mas percebo que nem toda a água e sabão azul do planeta me irão purificar.
O calor amordaça os sentidos, irrequieta o sono. Dormimos aos bochechos e somos sacudidos por sonhos que fingimos não lembrar ao acordar.
As reacções ficam à flor da pele, e a língua solta-se com facilidade, dançando no trânsito e cumprimentando civilizadamente os que nos visitam, com as suas maneiras de conduzir, no mínimo estranhas. Passo todos dias de manhãzinha pela senhora emigrante, à porta do meu trabalho, enquanto ela passeia o seu pequeno poodle e este por sua vez, dejecta alegremente na calçada em frente à entrada do meu prédio. Na fresquinha, pois é verão e está-se tão bem no Algarve pela manhã.
Faço um sorriso de insatisfação, tusso forçadamente e olho de modo reprovador.
Entretanto, o desorientado espanhol, para o carro no meio da rotunda, entope o trânsito e vai perguntar direcções ao primeiro transeunte. Sem piscas, sem preocupações. É Agosto.
Pelo meio, entra um estrangeiro em contra mão avenida acima, e passa pela brigada territorial, que ironicamente, vão olhando para o lado oposto, mostrando os seus sorrisos aos biquínis da estação, que se fingem mulheres, prematuras como fruta colhida antes de amadurecida.
A minha primeira paciente, cheia de olheiras, queixa-se do barulho da rua onde mora, pois tem um bar mesmo em frente à sua casa, que foi alugado por uma agência especializada em turismo juvenil holandês - turismo de qualidade -, e cujos clientes, todos eles jovens de bem, bêbados e drogados - coitados, vitimas dos locais algarvios danados para o negócio ilícito - dançam na rua, fazem amor em cima dos carros parqueados na zona residencial, partem garrafas, urinam nas portas, acompanhados dos decibéis mais que audíveis a quilómetros de distância. Mas está tudo bem, é Agosto, e está-se tão bem no Algarve.
Na manhã seguinte, mais um encontro dejectivo com o poodle e a sua dona, que fazem esculturas finas de mousse intestinal canidea. Pela fresquinha, concerteza.
Tenho uma toilette de praia, finíssima com unhas de gel, bem tratadas e um telemóvel topo de gama no balcão. Note-se o pormenor da areia nos pés.
" Tenho um evento importantíssimo hoje à tarde. E preciso imenso de ver este problema que tenho. Preciso de ser vista imediatamente " - diz ela, bem alto para o paciente que estava já marcado faz duas semanas e sentado à espera de entrar para consulta ouvir e talvez, com sentido intimidatório.
" Pois não minha senhora, qual é o seu problema urgente? " - respondi eu.
" Tenho este dente da frente manchado do café, e preciso de o limpar. Agora ! "
" Lamento imenso minha senhora, mas neste momento não a posso ajudar, não se trata de uma urgência e não posso justificar que passe à frente desta senhora que já estava marcada ... " - disse sorrindo, forçadamente, mas tentando ser educado e civilizado.
" Mas .. mas .. O senhor sabe quem eu sou??? " - respondeu ela muito indignada.
" Minha senhora, não faço ideia, mas aqui não prestamos serviços de coaching ou auto ajuda !"
Saiu espumando da boca. Mas voltou passados umas horas, para marcar para o dia seguinte, pois apesar do telemóvel que só não serve cafés e da pochete fashion de design estiloso da feira de Carcavelos, o preço no outro lado era mais caro do que aqui. Mas, ainda assim o Algarve é escandalosamente caro.
Terceira manhã, e já começo a ficar amigo do poodle. Já lhe conheço a geometria e arte nos seus resíduos. Proporção dourada ao rubro.
As ruas são pavimentadas para receber os turistas, mas ainda  assim demoro 15 minutos para percorrer um trajecto que demora 5 . Os sinais de trânsito são só para os nativos. E estacionamento? Desde que caiba, serve.
Outro fenómeno interessante, onde reconheço o avanço tecnológico do estrangeiro - e por estrangeiro refiro me a tudo o que exista acima de Santana da Serra - é o modo de Holiday Cruise. Em Holiday Cruise nenhum, mas nenhum carro anda a mais que 45Km/H. É genial. Eu só conhecia o Auto Cruise.
Não fossem estas trocas culturais e a escuridão da ignorância continuaria a assolar os meus dias.
Quarta manhã. Vou beber um café rápido antes das consultas, e enquanto oiço as mesas atrás a comentarem como vão visitar a família "à" Quarteira, ou como gostam de passar férias "na" Albufeira, peço um café normal.
O rapaz por trás do balcão, esfrega a cabeça, e pergunta-me: "Normal? Normal como?!".
" Ora, normal .. uma chávena e café lá dentro por favor."
O rapaz esboçou um sorriso de alivio e lá comentou comigo, que em Portugal existem tantas maneiras de pedir café, como de cozinhar bacalhau. E sempre um de cada vez, mesmo numa mesa com 13 pessoas, para dar trabalho ao empregado, que coitado não tem nada que fazer, e acompanhado de um copo de água oferecido, que só no Algarve é que é da torneira. Inconcebível. As autoridades deviam fazer algo contra este problema de saúde pública.
Enquanto penso neste flagelo, mais um encontro imediato de terceiro grau com a senhora poodle. 
Inspiro. Expiro. Inspiro. Expiro. Inspiro. Expiro.
Subiram-me os calores à cabeça.
Se estivesse a morar com Buda e Jesus lá no alto seria santo. Teria paciência sem fim.  Mas não sou. Mas não tenho. E detesto Agosto. E não consigo ver estes episódios todos como sendo um "mal necessário".
Porque já fui de férias a muitos lados, e sei, que apesar de estar fora da minha terra, não esqueço o civismo. E a educação. E as regras de trânsito. E não deixo o meu poodle fazer da porta ou passeio publico um sanitário artístico, porque eu até posso admirar as formas que as suas poitas assumem , como se fossem nuvens no céu, mas os outros nada têm com isso.
E foi então que me passei. Confesso. Perdi o tino. Deixei de ser eu. 
Fui a correr buscar umas luvinhas de latex,calcei-as e agarrei com todo o amor e carinho os brigadeiros intestinais do bicho. Fui a correr atrás da senhora, mostrei-lhe a artística forma, tirei as luvas, enrolei-as do avesso e entreguei-lhas. " Uma prenda para não se esquecer do Algarve, madame. Penso que isto seja seu." E fi-la agarrar nas luvas com os dejectinhos quentes enrolados lá dentro.
Errei. Devia ter tentado a via do dialogo. E, sim, este algarvio é um sem vergonha, que não sabe receber. Mas... adorei ver a cara de nojo da senhora e posso adiantar que nunca mais tive poias à frente da porta da clínica. Sem preço.
Será assim tão errado defender o pouco que sobra do nosso modo de vida? Será que os nossos filhos não têm direito a poluir e a destruir arribas, praias, matos e lagoas também? Será que o meu neto, terá oportunidade de matar uma tartaruga com um saco de plástico que ele próprio jogou ao mar, enquanto comia e pousava ao lado da mãe com um iogurte na mão para a fotografia de férias no Algarve?
Haja igualdade para todos.... e queiram desculpar qualquer coisinha, mas além de instável e desequilibrado, sou Algarvio.

"Take only photographs, kill only time and leave only footprints"


Al - Khamet