Blue Living - Be water my friend..

...mais do q pessoal, reflexoes sobre a crescente desumanidade social e sobre as nossas lendas pessoais...a minha? o mar!

sexta-feira, outubro 21, 2005

... Hoje juro que quase lhe tomei o gosto. Senti-lhe o cheiro, quando ela passou discreta, subentendida nas palavras tombadas daqueles olhos desligados, como quem não quer perceber tudo o que vai dizer, e acaba por meio dizer.
"Houve um acidente grave. É um polo branco. O condutor está em muito mau estado."
Os nossos ares pararam de circular. Eu ate nem tava em cima da mensagem, tava descaido ali mais para o lado direito do palco, montando a minha guitarra e os pedais de efeitos para a mesa.
A consternação parou no ar. E este ficou pesado, dificil de engolir.
As luzes estavam prontas. O cheiro a madeira envernizada e polida reluzia nos instrumentos alinhados. Os cromados da bateria, o fascinio dos pratos de choque.
Até que ele pegou no telemovel e leu a malograda mensagem.
A noticia vestia uma foice e um manto negro.
O condutor não sobrevivera.
Sem mais detalhes, sem mais imagens ou figuras acabamos todos reunidos em silencio, em torno daquela ideia. E ela, dançando e rodopiando lá no meio, com os seus trajes andrajosos e negros.
Eramos menos, entraram mais para a obscuridade da sala pela porta aberta atravessada pela lua em "d".
Silêncio. Uma ou outra chamada para o telemóvel. Mas discretos como a nossa anfitriã de hoje à noite, pé ante pé, entravam e saiam.
Abracei-me, apertei as mão quentes contras as minhas outras frias, e encostei meu medo e minha fragilidade no seu ombro.
Senti-me menos Homem, mas ainda assim muito mais humano.
Esta noite ela vai dormir a teu lado, ao meu lado, ao nosso lado irmão. Esta noite por isso mesmo será rasgada por brancos e esperanças que tudo não passe de um sonho mau.
Sinto tristeza. Ela levou-me a alegria.
Sinto pena. Ela retirou-me a esperança.
Estou perturbado. Ela retirou-me a paz.
Esta noite ela voltou a passar mais perto. Senti-lhe o cheiro, tomei-lhe a vontade.
Ela anda ai, não para de roubar vidas.
E do outro lado responderam-me:
"Mas isso é a vida ! não temos como controlar quem morre ou quem fica... por isso, temos que abraçar mais, sorrir mais, visitar mais, falar mais, conviver mais e aprender a ser feliz com quem está conosco hoje !"
Somos frágeis, somos um fumo.