Blue Living - Be water my friend..

...mais do q pessoal, reflexoes sobre a crescente desumanidade social e sobre as nossas lendas pessoais...a minha? o mar!

quarta-feira, novembro 30, 2005

A magia Chi


"São 13h da tarde!!Boa!" Penso para mim próprio.
Fecho a porta vidrada e viro a placa redonda azul de design fashion, enfrentando a rua a dizer Fechado.
Esta fase já está. Respiro de alivio.
"Mas onde vais agora? Almoçar?" - Pergunta-me o Rodrigo
Já nem lhe respondi devidamente. Sai apesar do frio de Dezembro em t-shirt negra, de cultura underground, e meti-me no carro com a cara já sarapintada
de protector solar. Estava no que eu chamo já de modo alfa.
No modo alfa, o tempo parece abrandar, tudo se torna obstaculo, e os olhos fixam sempre o caminho mais rápido. E os pés?
Os pés pisam fundo e aceleram o caminho nervosamente antecipado até à nesga de mar mais próxima.
As viragens são agressivas e a musica bate forte no fundo da alma, com riffs pesados e cantados por quem traz no peso da
voz todas as frustrações que a vida na civilizada sociedade obriga a passar quem simplesmente gosta de desenhar o seu
caminho, como todos nós faziamos quando ainda eramos crianças, nos tempos livres da primária. E ainda há quem continue
a sê-lo, apesar dos costumes adultos, adaptados mas não vencidos.
Finalmente o mar. Tá pequeno, mas as linhas são definidas e azuis, vindas de sul. Trazem água quente. De certeza que está
maior na outra costa. O vento não bate lá e o sol por-se-á de frente para mim, no final da tarde, para mais uma vez lhe prestar
o eterno cumprimento.
Circundo mais uma vez a rotunda e faço-me novamente à estrada em modo alfa ainda mais profundo.
Nesta fase, já não conheço ninguém, não existo neste mundo, e não sou eu quem viram passar procurando uma margem de
estrada para passar como se nada nem ninguém existisse, reduzindo-os à indiferença de quem viaja em verdades maiores e
não tem paciência para ensinar o caminho que cada um encerra nos seus sonhos. Eu sei o meu, e é para lá que vou agora.
A estrada é sempre a mesma, e eu conheço-a em todas as circunstancias, de dia de noite, frio calor, chuva sol, borrascas
violentas e bonanças mediterraneas. Independentemente das curvas e das setas direccionais, das distâncias, a estrada só
é estrada quando nos transporta o espirito também.
Cheguei. No mar não vejo ninguém. Mas as pedras amarelas não descobrem o meu pico preferido todo.
Está glass, liso, de gala. Parece poster.
Debaixo dos pinheiros é onde vou estacionar, ao lado do todo o terreno e da carrinha familiar dos irmãos de sal que trocaram
as vidas quotidianas por este segredo. Somos uma seita, não falamos quando nos cruzamos na rua, apenas olhamos e fazemos
um ligeiro sinal com a cabeça. Ninguém desconfia da nossa vida dupla.
Molhados, ninguém tem memórias de terra, somos homens-peixe, tudo traz no seu encanto, a primeira vez.
Já lá vão anos, tantos quantos a memória alcança desde que o segredo me beijou, e descobri o manto azul, que me acolheu, sem
perguntas, sem julgamentos, onde todos levam na cabeça quando o mar tá de ressaca e cospe aquelas series de ondas que
varrem todos quanto estão no seu caminho. E ainda assim, engolem-se os medos escuros, e rema-se mais para fora, porque a
próxima serie somos nós que a vamos varrer.
Quem quer enriquecer, não o procure aqui. Aqui, despertam-se riquezas, não se criam. Desenganem-se os que procuram reconhecimento,
encontram humildade e serenidade. E os deleites para os sentidos, comida e bebida para a alma.
Já tenho o fato humido colado justo à pele. Arrepio-me de frio, a areia das rochas que ladeiam o caminho está humida, o Sol preguiçoso
não lhe consegue dar conversa de troco suficiente para a secar. Mas não existem melhor arrepio.
Sobe, desce, salta aqui, o caminho está cada vez mais comido nas falésias, qualquer dia vou parar com o costado lá baixo, e fico
tipo minhoca em terra humida.
Na proporção de proximidade, estou finalmente na plataforma de madeira que se estende ao lado do pequeno relvado, da cabana
tosca de tábuas desajeitadas e esburacadas, que servindo de abrigo, serve desculpas para se passar uns bons momentos em silêncio
a admirar o que já ultrapassa o meu léxico, e nem pretendo abraçar.
De frente para o pico, estaco e estudo as linhas a entrarem e a quebrarem em cima da rasa bancada de rocha marinha, negra e cheia de
cicatrizes das picaretas dos apanhadores de ouriços.
Corro passando pelas sábias reformas grisalhas que se acomodam nas cadeiras agora vazias na esplanada, sorrindo, e mergulho na
minha morada.
Escorrendo liberdade, contorno as primeiras rochas e vou para o pico, que quebra matemático e metódico, sem equações complicadas
nem algoritmos calculaveis.
O modo alfa desvanece-se, no equilibrio de sal, e a tranquilidade é a letra da musica da rebentação.
Não penso. Não falo. Não existo. Não há BI nem impostos.
O unico tributo aqui é aquele que prestamos quando à saída de mais uma sessão, pois não há duas iguais, oferecemos a nossa pele
bronzeada aos ultimos beijos violetas.
Quando a luz foge da rapidez da noite que se aproxima, e o sol lança o ultimo suspiro, olho para a mesa com dois lugares na esplanada
ao meu lado e seguindo um conselho tibetano, na minha próxima ocupação, quero estar mais perto do céu na terra, e ser o proprietário
desta cabana, que tem em localização e mistica o que lhe falta em "glamour" e aparencia.
E nesta mesa, quando eu sair da água, escorrendo e sabendo a sal, eu sei quem quero que lá esteja, também, escorrendo a sal e com as
faces rosadas, sorrindo pestanejando.
E um dia, se descobrirem este sitio, também vocês o acabarão por fixar nos vossos objectivos a longo prazo, como eu, ou apenas num
sonho "giro" que só os tolos acreditam poder realizar.
Tolo? Adaptado mas não vendido!"