Blue Living - Be water my friend..

...mais do q pessoal, reflexoes sobre a crescente desumanidade social e sobre as nossas lendas pessoais...a minha? o mar!

domingo, dezembro 19, 2004

Deixo o olhar solto para algures, sentado aos pés da cama. Lamúrios preenchem me a voz, escorrem pele abaixo, rolando em direcção a um buraco no peito, um poço sem fundo.
A porta do quarto fecha-se, sem existirem palavras que choquem na barreira da sua partida. Eu sei que não a tornarei a ver.
Sinto um bloqueio. Não o consigo ultrapassar nem afrouxar a sua pressão.
Não me olhes assim! Este não sou eu. Já fui, mas não agora. Talvez ainda exista algum resto perdido cá dentro.
Queria ter aquela silhueta. Gostava de não me sentir obeso, despropositado e sem jeito. Desejava ter a sabedoria, ser possuidor do dom das palavras, em vez de me sufocar em hesitações e constatações sem nexo.
Um corpo perfeito um dia. O cabelo liso e sedoso no outro. Quem sabe se isso não trara atrás de si, o beijo perfeito, o toque à filme? Queria ser o que não sou, queria parecer quem não sou.
Estou sujo. Vê as minhas mãos imundas. Não interessa, eu sei. Todos os outros são assim e não levantam suspeitas, e nem sequer se interessam, nem procuram.
Eu procuro e não encontro. Eu desejo, e não esqueço. Mas continuo a sentir o frio que passa no poço, este aqui no peito.
Eu vou dobrar esta folha e guarda-la como um fino e secreto desejo. Intimo. E um dia eu serei assim. Corpo torneado, sorriso cativante e penteado luminoso. Distribuirei as palavras como um politico e o espelho será não mais uma penitência para o olhar. Um dia...

" O meu nome não interessa. Nasci há muitos milhões de anos atrás, não sei precisar ao certo, a verdade é que não o sei.
Sou uma entidade celeste, um semi Deus e um semi Demónio, com a força dos dragões e dos titãs, um espiríto heroico e metafísico, racional e apaixonadamente trascendente.
Recordo os primórdios, os tempos obscuros, a formação do universo pelo meu irmão Caos, o nascimento dos mares por Tiamat, e no caldo primitivo, o nascimento do Amor por Afrodite, e com ele, a vida.. a vossa. Tudo como o descrito nas escrituras ancestrais, que forjaram a história.
No meio das colunas góticas do meu templo, nos espaços ideais, descortino os mistérios dos Deuses, dos Génios e das coisas. Sou um vigia. Observo. É ai que dedico a minha existência, na busca da apurada sabedoria debaixo dos meus olhos.
Procuro um sentido no fluir dos mundos, um significado final para a minha presença, um porquê à minha percepção das singulares almas humanas e os seus conturbados espíritos em sofrimento e tingidos de tristeza.
Dobrei, amarrotei e quebrei as leis das tábuas sagradas, que eu próprio escrevi, na minha demanda pelo supremo entendimento.
Fui homem, mulher, velho, criança.. vivi e morri uma infinidade de vidas para o entender, compreende-lo na sua totalidade, vê-lo na sua grandeza. Até que finalmente o encontrei nuns ternos braços, pela primeira vez.
Vi-o depois morrer num sopro num campo de guerra, partir num apito de um comboio, florescer carinhosamente e adormecer num leito, moribundo e perdido à nascença.
Mas nunca o consegui entender, compreender. Nem domina-lo, fazer-lhe frente, tê-lo para dispor como se fosse minha propriedade.
Falo da essência criadora do Amor... Terno, platónico, contrariado ou absoluto, colorido ou daltónico, filial ou marital, mas sempre Amor.
Podia-vos falar de Amor durante toda a enternidade, e ainda assim outras tantas ficariam por ocupar.
Contudo, ainda pouco sei. Nada me foi desvendado sobre a sua origem, os seus caminhos e as suas razões.
As dúvidas acumulam-se, formam teias de perguntas, gradualmente mais densas, mais consistentes e fortes até que me impedem de avançar, de passar à pergunta seguinte.
Vasculhei este baú velho e poeirento da humanidade cidade, as minhas recordações e dei com Ele lá hospedado, nas mais elementares matrizes das emoções. Ele era sempre O responsável.
E foi assim que surgiu um novo mundo. O problema? Qual a pergunta?
A resposta? Tão simples!
Perguntar é não entender, é estar cego do olhar. Os seus propósitos são outros.
Ele não pode ser dissecado, nem digerido. Ele é o elo de ligação da criação. Foi através Dele que tudo foi arquitectado.
Por mais interferências que o seu chamamento tenha, por muito surdas que sejam as suas palavras, ele só tem de ser sentido, como os dias devem ser vividos.
Esse é o segredo...
O nosso nome não interessa. Nascemos há muitos milhões de anos atrás, não sei precisar ao certo, a verdade é que não o sabemos.
Somos as estrelas do céu noturno, o sol morno das tardes de inverno. Somos o chilrear do mundo e o uivo dos lobos. As lágrimas dos que choram, e os sorrisos dos bem afortunados.
Fomos separados no caldeirão de almas. Lutamos. Encontramo-nos, e continuamos a nos encontrar.
Estamos juntos desde então, porque um dia acreditamos, e hoje continuamos a acreditar.