Blue Living - Be water my friend..

...mais do q pessoal, reflexoes sobre a crescente desumanidade social e sobre as nossas lendas pessoais...a minha? o mar!

quarta-feira, setembro 14, 2005

Dedicado a um filho do mar..


Eu sou o solitário e nunca minto.
Rasguei toda a vaidade tira a tira
E caminho sem medo e sem mentira
À luz crepuscular do meu instinto.

De tudo desligado, livre sinto
Cada coisa vibrar como uma lira,
Eu - coisa sem nome em q respira
Toda a inquietação dum deus extinto.

Sou a seta lançada em pleno espaço
E tenho de cumprir o meu impulso,
Sou akele que venho e logo passo.

E coração batendo no meu pulso
Despedeçou a forma do meu braço
Pr'além do nó de angústia mais convulso.

Hoje apetece me deixar de ser. Perder me entre bagos molhados, tingir a minha pele
de sal e viajar na espuma fofa.
Olhar bem longe, e deixar de ver. Desfocar as formas e desenhar os meus cenários
simples, traços modestos e "naives".
Hoje apetece me esquecer, quem sou, para onde vou e qual o nome que me querem dar.
Hoje sou eu, e mais outro e mais aquele. Todos e nenhum, tudo e nada.
Não me chamem, eu nao existo, eu nunca fui criado.
Sou nuvem, nao me importo para onde me empurram.
Hoje encontras me na praia a passear, mal vestido e sorridente, de calças arregaçadas
e conchas nas mãos.
Chamam me, mas nao é o dia para responder.
Hoje sou quem sempre quis ser, mas se perguntares quem sou, nao to sei dizer.
Odio, amor, solidão e humanidade... Humanidade? Ou cidade? Não são sinónimos?
Também não sei! Hoje é dia de nadar, não paro para pensar.
Talvez amanhã me debruçe a analisar, essas estranhas criaturas em meu redor a
esbracejar, gastando energias neste mar, que a ninguém poupa. Podia dizer:
"Amigo, essa energia é para poupar, o tormento há de passar, só tens que ter fôlego
e paciencia para aguentar" Mas não o faço, tu tens o teu, e eu continuo no meu passo.
Hoje é dia de não ser, nem me importar a responder.
Hoje trago comigo o meu sentir, e o amanhã? O amanhã ainda há de vir.

Eram por ai umas seis da tarde, em Monchique.
Empoleirado à janela, como quando tinha os meus 8 anos e vestia o equipamento desportivo oficial
do Portimonense F.C.
As brasas de ar de levante abrandavam o ritmo do verão enquanto eu escutava a conversa entre o
Sr. David e a minha Avó.
O sr. David, amigo inseparavel de infância do meu Avô, contava na altura com 83 anos de idade,
lúcidos e divertidos, e viera naquela tarde visitar o meu pai maior.
Antes disso, tiveramos um almoço no rústico e tradicional restaurante de Domingo, onde acabei por
encontrar o meu primo Filhó acasalado com a sua ex-patroa. Primo como quem diz parente, porque
o seu pai, o Zé Galinha, é filho de um dos Blecos ( analogia aos "blacks", na lingua de Lord Byron,
cáustica para com os ex-timorenses ). Por sua vez, os Blecos são meio-irmãos do meu Avô, dai o
parentesco e a caricata tentativa de homicidio das manas blecas, quando o meu avô tinha 4 anos e
foi jogado para dentro da curraleta de porcos. Acabou montado divertidissimo, às costas da matriarca
da pocilga.
Mas nada disto interessa! Já me perdi nesta confusão! Afinal de contas o mundo é redondo e acabamos
sempre por voltar a passar nos mesmos olhos.
Entretanto captou-me a atenção desta dormência de Domingo, um episódio antigo que os ouvi a
recordar.
O meu Avô, catatónico e de cabeça baixa, fixando a carpete, ouvia de olhos bem abertos.
Contavam eles, que era a minha Avó moçoila namoradeira e prometida a outra familia de bem, também
da Ladeira do Vau, com boas posses, terras e influências na vila, mas de coração casado com o
meu Avô, quando esta história teve lugar.
Namoravam nas escadinhas das traseiras da residencial Belavista no Largo dos Chorões. Era um bom
lugar, escuso e pouco visitado.
Contudo as invejas viajam sempre à falsa fé, e alguma denúncia obrigou o meu Bisavô Rufia a investi-
gar, indo ao seu encontro.
Avistou-o o David, que correu em antecipação e gritou:
- Joaquim!Joaquim José! Olha o enxovalho! Vem o Rufia! Raspa-te!! Levas um enxerto sem saberes ler
nem escrever!!
E fugiram sorrindo. E escaparam. E até hoje continuam juntos. E continuam...
Isso fez-me pensar.
Antes era diferente. Nem melhor nem pior. Diferente apenas.
Vivia-se o amor às escondidas, escondido, precioso.
Valorizavam-se os momentos as dois, na incerteza de se voltarem a repetir. As vontades eram firmes,
e as uniões de ferro. O amor era fugitivo, sobrevivente.É assim que o vejo aqui. Uma espécie rara, em extinção.
Mas existe. E são poucos os afortunados que o conheceram assim.
Mesmo que as escadinhas estejam vazias, de vez em quando recebem uma visita.
Aconselho-os a fazerem o mesmo.