No dia de S. Valentim
"..e hj o sol fugiu para detrás das casas,esgueirou-se ao mar,e deixou a lua tomar conta do céu"
Sempre que o mundo me puxa o tapete debaixo dos pés eu busco guarida, refúgio numa toca escondida e isolada, sem vozes nem rostos por perto. Sufoca-me a própria condição humana, e sinceramente, não preciso de mais uma tentativa falhada de Deus ao meu redor para contribuir para o fogo de artificio funesto.
Empurro todas as caras para longe, a distância é mais segura e menos violenta para quem ouse trespassar os meus limites nestes dias de tempestade.
Não atendo. Deixa tocar. Eu tenho direito a ser humano, perder me nos meandros da mesquinhez e indução. Quero estar só.
As imagens sobem-me à cabeça em "flashes" a preto e branco, desfocadas, vertiginosas, rápidas. Vomito lágrimas em agonia e mesmo assim a angustia pertence me, recusa-se a sair.
O exorcismo é sempre em vão quando os nossos demónios estão enterrados no nosso jardim.
Os corredores do hospital ganham contornos surreais e os cheiros inundam-me os pulmões, roubam-me o ar e asfixio em ansiedade enquanto caminho para o quarto.
O que o tempo faz... Corroido, atrofiado pela garganta dos anos, jaz naquele amontoado de lençois metade da pessoa mais importante da minha vida... A outra inclinada na cama, fascinantemente e incansavelmente, acaricia-o repetidamente, chamando o seu nome, e vendo nele quem a acompanhou durante 60 anos da sua vida...
A mim, só o chamar de algumas recordações do sr. que coleciona estrelas cadentes, tingem me de água o olhar, enevoando a visão já de si escusa.
O seu respirar é feito com dificuldade, mas eu vejo a fé, a necessidade da presença fisica:
"Ele é tudo para mim, ainda assim ele é o meu Quim... Que faço daqui em diante??"
Mas ainda não acabou, nunca acaba quando nós julgamos que acaba, da mesma forma que julgamos conhecer o nosso inferno, até ao dia que somos apresentados ao Diabo.
Agoniado com a ideia forte de que o pilar sou eu, as pessoas apoiam-se em mim, conta comigo e os espaços são para não vacilar. Sê o exemplo.
Mas não sou. Estou em ruinas, e procuro o meu caminho, de vestes rasgadas, com frio, triste e sem voz. Tal é a força da ameaça.
Saimos dali.
Caminhamos pelas ruas empedradas e escorregadias da leve chuva que caira antes.
A minha avó vinha hoje mais animada, achou-o mais atento e desperto.
Caminhava de braço dado comigo. Sem o saber, ela foi hoje a minha bengala, o meu apoio.
Passavamos na rua Direita, a rua do comércio, e um senhora interpelou-nos.
"Uma rifa Sra.? Uma rifa 50cent, para as crianças da Ludoteca. Uma rifa de S. Valentim D. Margarida!! O vencedor ganha um jantar para dois no dia 14 de Fevereiro, num restaurante a escolher dentre uma lista de patrocinadores."
A minha avó, estacou. Parou por um instante. Em seguida olhou-me bem fundo nos olhos, e eu ai soube o que ela ia fazer ainda antes de realizar.
Abriu a mala, tirou a carteira e disse:´
"Teresinha, dê-me 3 rifas! Uma para o meu neto e outra para o meu filho. E a terceira é para mim e para o meu Quim, no nosso dia de S. Valentim."
23:15 10/02/2006
2 Comments:
At 2:25 da manhã, Anónimo said…
Dizem que a paixão o conheceu
dizem que a paixão o conheceu
mas hoje vive escondido nuns óculos escuros
senta-se no estremecer da noite enumera
o que lhe sobejou do adolescente rosto
turvo pela ligeira náusea da velhice
conhece a solidão de quem permanece acordado
quase sempre estendido ao lado do sono
pressente o suave esvoaçar da idade
ergue-se para o espelho
que lhe devolve um sorriso tamanho do medo
dizem que vive na transparência do sonho
à beira-mar envelheceu vagarosamente
sem que nenhuma ternura nenhuma alegria
nunhum ofício cantante
o tenha convencido a permanecer entre os vivos
AL BERTO
At 1:46 da tarde, Suspiros said…
Fecho os olhos...suspiro....é suficiente....*
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