Blue Living - Be water my friend..

...mais do q pessoal, reflexoes sobre a crescente desumanidade social e sobre as nossas lendas pessoais...a minha? o mar!

quinta-feira, setembro 23, 2004

"O Mouro de Pedra

Deixem-me contar-vos uma história:

Era uma vez um rapazito, verde de olhar, revolto de cabelo. De presença discreta, dedicava-se às artes do mar havia pouco tempo, e nessa noite, celebrando a generosidade de Neptuno, convenceu-se a seguir os seus companheiros a festejar.

Era já tarde, mas estavam em festa, e nem todos os dias naquela altura do ano o ar corria assim ligeiro e morno, com o nome aragem, num pano escuro pontilhado de brilhos.

No meio de sorrisos e devaneios sem sentidos que terminavam inevitavelmente em gargalhadas, as mãos já não tinham dedos para tantas bebidas espirituosas.

De súbito, aproveitando o rumo do vento que entretanto crescera da brisa de sul, os seus olhos pararam num sorriso. Esse sorriso vestia um olhar...mas que olhar! Terno, meigo, um portão para a eternidade - foram essas as suas palavras mais tarde a recontar o que vivera.

Há momentos que estão condenados a ficar para sempre separados do tempo. Este encontro foi um deles.

Sem tirar os pés do chão, nem ferir o seu peito com uma flecha de cupido, apaixonou-se.

Ela era tão mais que linda, tão mais que inesquecivel...muito mais que muito mais, e ainda mais.

Seus cabelos ondulavam ao de leve, e o seu sorriso encantava do mesmo modo que a melodia das sereias levava os marinheiros para as rochas...podia ser a morte com olhos de anjo, mas era linda.

Inevitavelmente encontraram-se nos seus sorrisos, e ele desajeitado - todos os homens, até os bravos, tremem quando encaram o amor - acenou-lhe com o que tinha mais à mão; um copo de Zurrapa Mexicana, bebida de valentes e de fazer crescer pêlo no peito, mas de modo algum da sua preferência.

Ela perguntou, sem ousar quebrar o silêncio dos seus lábios, num jeito tão gracioso, que parecia que movia os seus lábios em câmara lenta: "O que é?" "Tequila" - balbuciou ele colado ao outro lado da rua, onde estava a salvo.

O seu rosto tentou fazer uma cara de recusa, feia como quando não se gosta, mas tentem lá tornar o belo em feio?!

Três vezes ele atravessou a rua, três vezes regressou, ensaiando como seriam as suas palavras. Tinha de a conhecer. A bravura não quer parcerias com ébrios de amor.

Inspirado, entrou na taberna e pediu em voz alta: "Um papel e um carvão!" Todos se viraram na sua direcção. Não se importou. Deu ao papel a sua Lua e o seu Sol. Deu-lhe as cores que via e as que passou a ver. Deu-lhe noite e dia, frio da solidão e calor do aconchego. Agradeceu-lhe a sua existência e terminou pedindo-lhe lume, para aquele cigarro que nem fuma...

"Não te desejo, porque nem tao pouco saberia fazer amor contigo.Não te quero, porque aos humanos não é dado o direito de cortejar os deuses...apenas te olho, mesmo correndo o risco de ficar cego pela minha ofensa, porque mesmo cego,seria essa a ultima imagem q teria na memoria, a tua cara."

Dobrou o papel o melhor que sabia, como se fosse natal. Baixou a cabeça com os cotovelos apoiados no balcão e respirou fundo. Abismalmente fundo!

Avancou de olhos fechados para o meio da rua, e quando abriu, encontrou-se ja no ponto sem retorno, o curso da acção estava traçado. Avançou para ela com os pensamentos paralisados.

"Ousou: "este lugar tá vago?" apontando para o passeio desocupado ao lado dela sorridente.

"Não" Ele sentou-se e entregou-lhe o papel. Ajudou-a decifrar a sua escrita pouco letrada, enquanto suspirava para si próprio. Encantado como estava, nem teve lucidez para memorizar as conversas... sabe que lhe pegou na mão e leu-lhe o futuro la inscrito..e quando a pele se tocou, pequenas explosoes eléctrica invisiveis percorreram-lhe a pele...no final da noite, deu lhe um beijo na cara, agarrando lhe ao de leve no pescoço e deixou tatuado na sua mão o seu contacto, mas mais que isso, gravou lhe o seu nome no coração.

(Continua ...Fim da 1ª Parte)