Blue Living - Be water my friend..

...mais do q pessoal, reflexoes sobre a crescente desumanidade social e sobre as nossas lendas pessoais...a minha? o mar!

domingo, maio 15, 2011

Zé Lourenço, O Castelhano.

Não há muito tempo atrás, ainda era viva a Rua das Lojas em Portimão, passou-se um episódio, que recordo com carinho, precisamente hoje
em que estou ouvindo um discurso sublinhadamente católico, proferido pelo padre que celebra a eulogia na missa encomendada em nome do meu falecido avô.
Zé Lourenço, era um personagem de Monchique, conhecido por vaguear a pé o Algarve inteiro, dormindo aqui e acolá, fazendo abrigo de qualquer
canto, cova na berma da estrada ou casa abandonada.
Dizia-se que ele enlouquecera. Dizia-se que ele ouvia vozes e zumbidos nos ouvidos, e que faziam com que se tornasse anti-social, um marginal
auto proposto e um vagabundo de vontade alheia.
Não coexistia com os restantes, refugiava-se no seu medo de ser descoberto e das ordens que as vozes o obrigavam a executar.
E por isso, voava com o vento, sendo avistado tanto em Aljezur como em Faro. Tanto em Albufeira como Portimão.
Andrajoso e pele escura. Despenteado e cabelo desordenado. Barba de muitos dias e muitos caminhos.
O seu andar era cambaleante, como se passeasse num convés de barco em mar tempestuoso.
Mas os seus olhos tinham uma expressão profunda e calma, profunda e verde marinho.
E tal como o Poseidon tinha o seu tridente, o Castelhano tinha o seu cajado.
Naquela tarde, após a visita ao seu barbeiro de eleição, o meu avô resolveu ir comigo à Pastelaria Rumar, sita na Rua das Lojas de Portimão.
Para nosso espanto, mesmo ao chegar à entrada, um funcionário escorraçava como se de uma barata se tratasse, o nosso velho conhecido Zé Lourenço.
O Castelhano, pacifico deixou-se empurrar para fora do estabelecimento, enquanto o funcionário o mandava ir encharcar-se em alcoól para outro lado e que ali não vendiam cigarros ordinários.
Zé Lourenço não fumava nem bebia. O médico não o permitia. Também não falava. Não conseguia.
O meu avô que assistiu pasmado a toda esta situação, acabou por deixar que tudo se acalmasse para depois interpelar o Castelhano.
Perguntou-lhe se estava tudo bem, ao que ele respondeu abrindo a mão direita e mostrando um punhado de escudos e fazendo sinal de que tinha fome junto à boca com a mão esquerda.
O meu avô fez-lhe sinal que o acompanhasse, e entrou pastelaria adentro.
Retirou o chapéu e chegou-se ao balcão. E antes que o mesmo empregado viesse embirrar com o Castelhano, colocou-lhe a mão no peito e disse-lhe em tom firme: " Este cavalheiro, está comigo e com o meu neto. Faça favor de lhe servir uma sandes mista com salada, um galão e uma caixa de meia dúzia dos vossos famosos pasteis de nata. "
A repugnância que as pessoas sentiram por nos ver sentados à mesma mesa que aquela personagem, nunca me irei esquecer.
É fácil julgar as pessoas por aquilo que parecem, pelas suas dificuldades. È fácil agredir, injuriar, reclamar e até pronunciar queixas. Difícil é reagir, agir, lutar e empreender uma missão de dignidade, de auxilio e consciência colectiva.
E digo mais, não são os Castelhanos deste nosso Portugal que levaram o País ao estado em que está.
Num pais que trata assim os seus velhos e os seus desprotegidos, é facilmente visível o grau de evolução e de mentalidade da sociedade que o constroi e a desilusão
que é para os antepassados exemplares que deram sangue, suor e lágrimas pelo seu futuro.
Cumpra-se uma sociedade a sério, cumpra-se o Homem e como disse o poeta, cumpra-se Portugal.