Blue Living - Be water my friend..

...mais do q pessoal, reflexoes sobre a crescente desumanidade social e sobre as nossas lendas pessoais...a minha? o mar!

terça-feira, março 09, 2010

Alex

Alex tinha 9 anos quando apareceu de urgência na minha consulta.
Era uma languida e morna tarde de final de Inverno no hemisfério norte.
Mal se sentou reparei que trazia consigo uma concha de praia, que aguardava religiosamente.
Fazendo-lhes as perguntas de diagnóstico tradicionais, mal obtive som da sua parte: olhava perdido para o ecrã multimédia que passava um filme de bodyboard.
Perguntei-lhe antes de iniciar o protocolo de tratamento se queria assistir a algum outro filme, desenhos animados talvez.
"Não, pode deixar assim. Está óptimo!" - respondeu com as educadas maneiras de um pequeno adulto.
"És bodyboarder?" - perguntei-lhe.
Respondeu afirmativamente, acenando a cabeça e sorrindo.
Contou-me que surfava todos os verões, porque por enquanto os pais não o deixavam surfar no inverno, com o frio. E que riscava na parede do seu quarto, junto à cabeceira da cama, um pequeno calendário com a tabela das marés, que lhe ofereceram quando comprou a sua prancha de esferovite, para ir documentando a passagem dos dias até à entrada do verão, quando podia voltar a surfar.
Explicou-me ainda que não conseguia para já fazer aqueles parafusos aéreos, mas que um dia iria ser o inventor de uma grande manobra.
Confidenciou-me por fim, que a concha que traz consigo religiosamente, é uma que apanhou da beira mar na última surfada do verão anterior, um momento especial nas suas temporadas de verão.
Alex, vivia uma realidade dentro de si, que o transformava num eterno viajante em busca da onda perfeita, longiqua, prémio do seu arrojo e audácia.
Essa realidade é a vida que ele escolheu viver, e não a outra. A outra das pessoas desagradáveis, das maldicências, dos maus colegas e pior feitio. A outra do permanente materialismo e superficialidade mundana do quotidiano.
Todos nós temos a nossa hipotese de escolher. Afinal qual é a nossa realidade?
Ele abraçou a causa do guerreiro, e soube focar-se e disfrutar do que existe além do preto e branco dos modernos dias.
Hoje, recebi um postal de uma ilha chamada Trawagan. É a temporada de ondas agora por lá. Vinha apenas assinado Alex.
O vento sopra forte, é um vento de mudança. Não tem nome, não tem direcção.
Eu vou deixá-lo guiar-me e vou escolher a minha realidade.
De facto, em jeito de confissão... já há muito que escolhi meu... mas é o meu.
A escolha está ai para ser feita... afinal, qual é a nossa realidade?