Blue Living - Be water my friend..

...mais do q pessoal, reflexoes sobre a crescente desumanidade social e sobre as nossas lendas pessoais...a minha? o mar!

terça-feira, novembro 09, 2004

Ontem a noite estava chuvosa. O céu coberto empurrou-me por entre as portas meio cerradas, à procura dos meus companheiros de viagem. Passavam já da hora do lobo quinze minutos.
Atrasado, mas reconheci-os a um canto, desenhando um sorriso de "Desculpem!", sentados os três na mesa, em redor do calor das espirituosas bebidas.
Despi o casaco de malha canelada negra e sentei-me no lugar vago, descobrindo os braços em cima da mesa.
Não entrei na conversa. Fiquei a ouvi-los, a observa-los.
Ia sorvendo a minha cerveja, sombria como a iluminação do Pub, e ouvia atento.
Todos eles se sentavam aquela mesa como de uma encruzilhada se tratasse. Os tempos actuais obrigaram-nos a trilhar caminhos e direcções diferentes, quando antes nos tinham juntado a todos. Esta era uma oportunidade única em tempos futuros para sentir o peso das nossas viagens sentado à mesa.
Falámos de mulheres e noites vividas ao segundo. Falamos da vida. Falamos da morte.
O tom das suas vozes tornou-se mais grave, e o seu volume desceu. Quase que sussurravam a história de como perderam os seus entes mais queridos... De como cresceram e se tornaram homens em dias, semanas. Como nunca mais foram as mesmas pessoas os que sentiram a perda.
As paredes forradas a madeira envernizada pareciam aproximar-se, à medida que a conversa entrava nos cantos mais intimos.
Vi lágrimas a acenarem de alguns olhos. Senti lágrimas a nascerem nos meus. Apetecia-me abraça-los, partilhar algum do carinho de que eles se viram privados.
Alguns perderam para a morte, outros perderam-nos na vida. Porque no final, acontece sempre aos outros, numa população de 10 milhões, porque me aconteceria a mim? Mas acontece. E doi. E fere. E amaldiçoamos tudo e todos. Bradamos aos céus, questionamos a nossa fé e todas as decisões divinas.
Tanta intensidade num tão pequeno espaço.
E foi ai que finalmente percebi. Estavamos a cimentar a nossa amizade. Estavamos a construir o nosso amor.
São nestes pequenos momentos de partilha, pode ser numa noite como esta, como num canto da pista de dança ou na varanda deitada para o mar da discoteca, que as amizades se formam, se solidificam.
Os sonhos secretos sao confidenciados, e as fraquezas partilhadas. E saem sorrisos, risadas sinceras. Sao desabafos.
O que é que um cano frio de uma espingarda na tua testa ou a perda de uma mãe ou de um pai têm em comum?
Tem esta mesa de que vos falei. Pode um dia ser a vossa. Porque não acontece só aos outros.
Amem-se, estimem-se como se fosse o ultimo suspiro dos vossos dias.