Zé Lourenço, O Castelhano.
Não há muito tempo atrás, ainda era viva a Rua das Lojas em Portimão, passou-se um episódio, que recordo com carinho, precisamente hoje
em que estou ouvindo um discurso sublinhadamente católico, proferido pelo padre que celebra a eulogia na missa encomendada em nome do meu falecido avô.
Zé Lourenço, era um personagem de Monchique, conhecido por vaguear a pé o Algarve inteiro, dormindo aqui e acolá, fazendo abrigo de qualquer
canto, cova na berma da estrada ou casa abandonada.
Dizia-se que ele enlouquecera. Dizia-se que ele ouvia vozes e zumbidos nos ouvidos, e que faziam com que se tornasse anti-social, um marginal
auto proposto e um vagabundo de vontade alheia.
Não coexistia com os restantes, refugiava-se no seu medo de ser descoberto e das ordens que as vozes o obrigavam a executar.
E por isso, voava com o vento, sendo avistado tanto em Aljezur como em Faro. Tanto em Albufeira como Portimão.
Andrajoso e pele escura. Despenteado e cabelo desordenado. Barba de muitos dias e muitos caminhos.
O seu andar era cambaleante, como se passeasse num convés de barco em mar tempestuoso.
Mas os seus olhos tinham uma expressão profunda e calma, profunda e verde marinho.
E tal como o Poseidon tinha o seu tridente, o Castelhano tinha o seu cajado.
Naquela tarde, após a visita ao seu barbeiro de eleição, o meu avô resolveu ir comigo à Pastelaria Rumar, sita na Rua das Lojas de Portimão.
Para nosso espanto, mesmo ao chegar à entrada, um funcionário escorraçava como se de uma barata se tratasse, o nosso velho conhecido Zé Lourenço.
O Castelhano, pacifico deixou-se empurrar para fora do estabelecimento, enquanto o funcionário o mandava ir encharcar-se em alcoól para outro lado e que ali não vendiam cigarros ordinários.
Zé Lourenço não fumava nem bebia. O médico não o permitia. Também não falava. Não conseguia.
O meu avô que assistiu pasmado a toda esta situação, acabou por deixar que tudo se acalmasse para depois interpelar o Castelhano.
Perguntou-lhe se estava tudo bem, ao que ele respondeu abrindo a mão direita e mostrando um punhado de escudos e fazendo sinal de que tinha fome junto à boca com a mão esquerda.
O meu avô fez-lhe sinal que o acompanhasse, e entrou pastelaria adentro.
Retirou o chapéu e chegou-se ao balcão. E antes que o mesmo empregado viesse embirrar com o Castelhano, colocou-lhe a mão no peito e disse-lhe em tom firme: " Este cavalheiro, está comigo e com o meu neto. Faça favor de lhe servir uma sandes mista com salada, um galão e uma caixa de meia dúzia dos vossos famosos pasteis de nata. "
A repugnância que as pessoas sentiram por nos ver sentados à mesma mesa que aquela personagem, nunca me irei esquecer.
É fácil julgar as pessoas por aquilo que parecem, pelas suas dificuldades. È fácil agredir, injuriar, reclamar e até pronunciar queixas. Difícil é reagir, agir, lutar e empreender uma missão de dignidade, de auxilio e consciência colectiva.
E digo mais, não são os Castelhanos deste nosso Portugal que levaram o País ao estado em que está.
Num pais que trata assim os seus velhos e os seus desprotegidos, é facilmente visível o grau de evolução e de mentalidade da sociedade que o constroi e a desilusão
que é para os antepassados exemplares que deram sangue, suor e lágrimas pelo seu futuro.
Cumpra-se uma sociedade a sério, cumpra-se o Homem e como disse o poeta, cumpra-se Portugal.
Não há muito tempo atrás, ainda era viva a Rua das Lojas em Portimão, passou-se um episódio, que recordo com carinho, precisamente hoje
em que estou ouvindo um discurso sublinhadamente católico, proferido pelo padre que celebra a eulogia na missa encomendada em nome do meu falecido avô.
Zé Lourenço, era um personagem de Monchique, conhecido por vaguear a pé o Algarve inteiro, dormindo aqui e acolá, fazendo abrigo de qualquer
canto, cova na berma da estrada ou casa abandonada.
Dizia-se que ele enlouquecera. Dizia-se que ele ouvia vozes e zumbidos nos ouvidos, e que faziam com que se tornasse anti-social, um marginal
auto proposto e um vagabundo de vontade alheia.
Não coexistia com os restantes, refugiava-se no seu medo de ser descoberto e das ordens que as vozes o obrigavam a executar.
E por isso, voava com o vento, sendo avistado tanto em Aljezur como em Faro. Tanto em Albufeira como Portimão.
Andrajoso e pele escura. Despenteado e cabelo desordenado. Barba de muitos dias e muitos caminhos.
O seu andar era cambaleante, como se passeasse num convés de barco em mar tempestuoso.
Mas os seus olhos tinham uma expressão profunda e calma, profunda e verde marinho.
E tal como o Poseidon tinha o seu tridente, o Castelhano tinha o seu cajado.
Naquela tarde, após a visita ao seu barbeiro de eleição, o meu avô resolveu ir comigo à Pastelaria Rumar, sita na Rua das Lojas de Portimão.
Para nosso espanto, mesmo ao chegar à entrada, um funcionário escorraçava como se de uma barata se tratasse, o nosso velho conhecido Zé Lourenço.
O Castelhano, pacifico deixou-se empurrar para fora do estabelecimento, enquanto o funcionário o mandava ir encharcar-se em alcoól para outro lado e que ali não vendiam cigarros ordinários.
Zé Lourenço não fumava nem bebia. O médico não o permitia. Também não falava. Não conseguia.
O meu avô que assistiu pasmado a toda esta situação, acabou por deixar que tudo se acalmasse para depois interpelar o Castelhano.
Perguntou-lhe se estava tudo bem, ao que ele respondeu abrindo a mão direita e mostrando um punhado de escudos e fazendo sinal de que tinha fome junto à boca com a mão esquerda.
O meu avô fez-lhe sinal que o acompanhasse, e entrou pastelaria adentro.
Retirou o chapéu e chegou-se ao balcão. E antes que o mesmo empregado viesse embirrar com o Castelhano, colocou-lhe a mão no peito e disse-lhe em tom firme: " Este cavalheiro, está comigo e com o meu neto. Faça favor de lhe servir uma sandes mista com salada, um galão e uma caixa de meia dúzia dos vossos famosos pasteis de nata. "
A repugnância que as pessoas sentiram por nos ver sentados à mesma mesa que aquela personagem, nunca me irei esquecer.
É fácil julgar as pessoas por aquilo que parecem, pelas suas dificuldades. È fácil agredir, injuriar, reclamar e até pronunciar queixas. Difícil é reagir, agir, lutar e empreender uma missão de dignidade, de auxilio e consciência colectiva.
E digo mais, não são os Castelhanos deste nosso Portugal que levaram o País ao estado em que está.
Num pais que trata assim os seus velhos e os seus desprotegidos, é facilmente visível o grau de evolução e de mentalidade da sociedade que o constroi e a desilusão
que é para os antepassados exemplares que deram sangue, suor e lágrimas pelo seu futuro.
Cumpra-se uma sociedade a sério, cumpra-se o Homem e como disse o poeta, cumpra-se Portugal.
2 Comments:
At 7:47 da tarde, Dina Faria Estassi said…
Profunda reflexão, Bernardo! Obrigada pelo teu simples e tocante testemunho. Roubastes as palavras que germinam dentro de mim há imenso tempo, perante a injustiça do mundo... perante aqueles que se julgam superiores... É bom sentir que não sou uma ilha isolada neste mar encapelado e tormentoso da vida... Dói... dói imensamente ver como a injustiça pode encontrar acolhimento no coração das gentes... dói imensamente quando olhamos o futuro e temos medo que apenas poucos permaneçam firmes ao lado do amor, da justiça, da compreensão.. de tudo o que nos edifica e nos torna humanos criados à imagem de um Ser Supremo que nos ama infinitamente e tudo deu, dá e dará por cada um de nós, mas muito em especial por cada um destes pequeninos escorraçados pela sociedade perdida no seu egoismo...
Vamos juntos, todos aqueles que sentem o amor e nele vivem mergulhados, independentemente da dor que possa causar, construir pontes de amor, paz, respeito, compreensão entre os Homens... Vamos acreditar firmemente que pode existir um mundo melhor ainda neste Planeta Azul, mesmo que tudo ao redor sejam ruínas... cinzas de um sonho pelo qual continuaremos a lutar com toda a nossa alma, mente e coração... todo o nosso ser!
At 4:02 da tarde, Anónimo said…
Humano...muito Humano Ben.
Keep goin, a mensagem fica, as cabeças refletem e o coração acompanha!
Haja Fé de que a Humanidade escolha outro caminho!
Gabriela
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