Blue Living - Be water my friend..

...mais do q pessoal, reflexoes sobre a crescente desumanidade social e sobre as nossas lendas pessoais...a minha? o mar!

quarta-feira, setembro 14, 2005

Eram por ai umas seis da tarde, em Monchique.
Empoleirado à janela, como quando tinha os meus 8 anos e vestia o equipamento desportivo oficial
do Portimonense F.C.
As brasas de ar de levante abrandavam o ritmo do verão enquanto eu escutava a conversa entre o
Sr. David e a minha Avó.
O sr. David, amigo inseparavel de infância do meu Avô, contava na altura com 83 anos de idade,
lúcidos e divertidos, e viera naquela tarde visitar o meu pai maior.
Antes disso, tiveramos um almoço no rústico e tradicional restaurante de Domingo, onde acabei por
encontrar o meu primo Filhó acasalado com a sua ex-patroa. Primo como quem diz parente, porque
o seu pai, o Zé Galinha, é filho de um dos Blecos ( analogia aos "blacks", na lingua de Lord Byron,
cáustica para com os ex-timorenses ). Por sua vez, os Blecos são meio-irmãos do meu Avô, dai o
parentesco e a caricata tentativa de homicidio das manas blecas, quando o meu avô tinha 4 anos e
foi jogado para dentro da curraleta de porcos. Acabou montado divertidissimo, às costas da matriarca
da pocilga.
Mas nada disto interessa! Já me perdi nesta confusão! Afinal de contas o mundo é redondo e acabamos
sempre por voltar a passar nos mesmos olhos.
Entretanto captou-me a atenção desta dormência de Domingo, um episódio antigo que os ouvi a
recordar.
O meu Avô, catatónico e de cabeça baixa, fixando a carpete, ouvia de olhos bem abertos.
Contavam eles, que era a minha Avó moçoila namoradeira e prometida a outra familia de bem, também
da Ladeira do Vau, com boas posses, terras e influências na vila, mas de coração casado com o
meu Avô, quando esta história teve lugar.
Namoravam nas escadinhas das traseiras da residencial Belavista no Largo dos Chorões. Era um bom
lugar, escuso e pouco visitado.
Contudo as invejas viajam sempre à falsa fé, e alguma denúncia obrigou o meu Bisavô Rufia a investi-
gar, indo ao seu encontro.
Avistou-o o David, que correu em antecipação e gritou:
- Joaquim!Joaquim José! Olha o enxovalho! Vem o Rufia! Raspa-te!! Levas um enxerto sem saberes ler
nem escrever!!
E fugiram sorrindo. E escaparam. E até hoje continuam juntos. E continuam...
Isso fez-me pensar.
Antes era diferente. Nem melhor nem pior. Diferente apenas.
Vivia-se o amor às escondidas, escondido, precioso.
Valorizavam-se os momentos as dois, na incerteza de se voltarem a repetir. As vontades eram firmes,
e as uniões de ferro. O amor era fugitivo, sobrevivente.É assim que o vejo aqui. Uma espécie rara, em extinção.
Mas existe. E são poucos os afortunados que o conheceram assim.
Mesmo que as escadinhas estejam vazias, de vez em quando recebem uma visita.
Aconselho-os a fazerem o mesmo.

3 Comments:

  • At 3:23 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Bernardo, começo a tornar-me cansativa...mas cá vai:
    Adorei particularmente a parte das escadinhas, do amor vivido intensamente...daquela historia proibida, da luta pelo amor!
    Infelizmente nos tempos que correm o Amor está a tornar-se vulgar e banal...Tenho saudades daqueles amores de criança, em que bastava apenas um bilhetinho para nos fazer tremer da cabeça aos pés, da forma como corava qnd o menino de quem eu gostava me dizia um simples Olá..
    Agora é tudo diferente, neste momento parece q os papeis estão trocados...saudades de um simples passeio de mãos dadas...
    Bem, não me quero alargar...
    Um beijo Bernardo

     
  • At 10:15 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Dedicado a um filho do mar..


    Eu sou o solitário e nunca minto.
    Rasguei toda a vaidade tira a tira
    E caminho sem medo e sem mentira
    À luz crepuscular do meu instinto.

    De tudo desligado, livre sinto
    Cada coisa vibrar como uma lira,
    Eu - coisa sem nome em q respira
    Toda a inquietação dum deus extinto.

    Sou a seta lançada em pleno espaço
    E tenho de cumprir o meu impulso,
    Sou akele que venho e logo passo.

    E coração batendo no meu pulso
    Despedeçou a forma do meu braço
    Pr'além do nó de angústia mais convulso.

    Agr adivinha o autor e diz se n fala msm sobre ti.. :)

     
  • At 12:28 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    Adorei ler esta história, até porque conheço algumas personagens. É sempre bom ler algo sobre Monchique que é a terra do meu coração. Obrigada por partilhar. Cumprimentos

     

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