Blue Living - Be water my friend..

...mais do q pessoal, reflexoes sobre a crescente desumanidade social e sobre as nossas lendas pessoais...a minha? o mar!

quinta-feira, junho 12, 2008

Antes Só que Mal Acostumado...

Antes Só que Mal Acostumado...


Dia 29 de Junho, há cerca de 20 anos atrás. Lisboa.
Três pessoas circulavam em dialogo junto ao Tejo, dentro de um carro, conduzido pela filha mais nova.
O dia era especial. Conceição tinha passado no exame de subida de escalão para tesoureira, tornando-se na primeira tesoureira do estado de 1ª categoria,
no Algarve. Passou na junta de exame com distinção fruto de muitos serões acompanhados por José, seu eterno companheiro, junto ao fogão de sala.
" Filha, abranda, pára aqui junto ao rio. Quero atirar o livro de decretos e procedimentos ao rio, um alivio dos passados dias e desta neura!" - disse Conceição.
" Oh! Só mesmo tu para me jogares uma ideia destas! Dá cá o livro, não fazes nada disso, enquanto eu tiver por perto " - respondeu solidamente José, com
um sorriso de contribuição e importância.


Dia 5 de Junho, ano corrente.

" Bernardo, faz lá caso do que eu te vou dizer e larga os cães da mão ! " - ouvi eu, no fundo do quintal enquanto brincava com os dois cães da minha avó,
legado do meu avô, apaixonado pela natureza da caça.
Sai sacudindo a roupa e deixando para trás os cães a arfar, pouco habituados desde que se desusaram para a caça e ficaram como mais uma memória
do tempo em que obedeciam ao seu dono.
Procurei com o canto do olho encontrar a minha avó, que me acenava da porta da cozinha, com um calhamaço amarelecido e poeirento nos braços,
uma descoberta arqueológica supus.
" Entao Vó, que se passa? Isso é poesia ou romance? "
" Ai, nem sabes o que descobri " - e prontamente se encadeou em discurso próprio, falando com os olhos e gesticulando com os lábios, para colorir as
suas próprias palavras. Explicou-me que aquele era o livro que tivera que estudar, para se tornar, oito anos antes de aposentar da Tesouraria da Fazenda
Publica, a primeira tesoureira do estado de 1ª categoria do Algarve.
Mas a história não ficava por ai.
O livro, que julgara perdido, estava encerrado no cofre do meu partido avô. E no seu interior, tinha uma carta, uma carta de amor.
Não sei que fé fora a sua, para julgar ou saber que um dia a carta seria lida e descoberta, mas certamente que isso que aconteceu.
A minha avó comovida, repetiu:
" Ainda me lembro de quando a Dona Bia, a nossa vizinha, remexeu numas caixas que tinha guardadas e deu conta de uma serie de cartas de amor da sua
juventude, e as ofendeu querendo jogar fora, e o meu José, o nosso José, lhe disse:
- Oh Dona Bia! Não as jogue fora, coisa sagrada! Nunca se sabe o valor que um dia cartas de amor vão ter. Palpita-me que um dia, ninguém vai saber o que é
uma carta de amor."

Deposta e reposta a descoberta, a carta foi para o seu merecido lugar, com destaque na cómoda do quarto marital.
E para os meus quase botões, ficou a impressão do tiro certeiro no previsto pelo meu avô.
Realmente, hoje todos somos romanticos, todos somos ávidos de uma boa história de coração aquecido, todos gostamos de receber flores, jantares
surpresas, fins de semana de escape, lingeries, chocolates, flores, bilhetes para teatro, concertos, peças de roupa, animais domésticos, e sei que há
outras tantas, mas ainda espero não me ter esquecido das mais importantes, porque levar alguem a passear ao shopping ou a jantar fora enquanto se
vê a bola é tão romântico como comparar um gelado da Olá com um Hagen Daz, se é que se escreve assim, mas julgo que é perceptivel a doce e fresca
ironia.
Mas não adianta. O romântico é uma despecie em vias de extinção, se é que não foi já restrito aos zoologicos relacionais em que se fala dos nossos
antepassados, e como eram longas e estaveis as suas relações.
Agarradas ao momento, eu tenho o melhor e maior exemplo dum caso bem sucedido.
Durou 70 anos, com esforço, dedicação e acrescentado: amor. Tanto que ainda hoje, depois de ja se terem passado dois anos desde que o meu avô
faleceu, ainda se descobre aqui e acolá, provas da dedicação e afecto que os meus avós tinham um pelo o outro.
E por isso, eu acredito, e passo ao lado dessas teorias mastigadas do um dia ta aqui, o outro nao se sabe.
Ligam-se e desligam-se corações como quem bebe shots e vibra com as luzes na pista da dança fácil.
Prefiro terminar o dia, escrevendo ao lado duma vela para me aquecer, os meus dois cães para me purificarem sentados impacientes no sofá e a cama
a aguardar-me sozinha e individual.
Não vou desperdiçar forças em romantismos sem retorno. Há mar e mar, há dar e receber.
Um dia eu sei que vou deixar escrita uma mensagem, de resposta a outra que deixaram escrita na testa, desejando-me a eternidade a seu lado.
Até lá, e até que a morte me desenraize desta Terra, antes Só que mal acostumado.

12 Comments:

  • At 10:18 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Tens mta razao, Bernardo. O amor hj é como fastfood. Por isso as relações n duram, o que importa é o prazer imediato, o satisfazer das necessidades, o individualismo.Perderam-se mts valores pelo caminho. Mtas vezes dou p mim a pensar como seria feliz se tivesse nascido noutra época.
    Ingenuamente talvez, tb continuo a acreditar no "amor e uma cabana".Muitas lutas travo eu entre o que é aceite na sociedade e o que é verdadeiro para mim. Acho que prefiro viver a ilusão a "jogar" com estas regras. Depois de mtas lágrimas em vão, a ilusão continua lá, num cantinho empoeirado no armário dos sonhos.Quem sabe um dia...dê razão a mim mesma.

     
  • At 12:59 da manhã, Blogger M. said…

    bonito bonito texto.
    os românticos são eternos, poucos, sim. não vivem do tempo nem do instante.

    analogia ao sempre bem-vindo haagen daz é tão mais que certa.

    *

     
  • At 8:56 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Como gosto de ler seus textos...
    Fazia tempo q não verificava seu blog...Por que será qe deixamos de fazer algo q nos faz bem e de que gostamos?
    Enfim, o que me encanta ainda mais é pensar que não é apenas 'estória' e na verdade uma história.
    Infelizmente as pessoas deixam de acreditar que o romantismo ainda exista e aceitam muito pouco. Ou então se sentem 'piegas' ante a ação de um gesto de amor. Como se fosse possível sentir vergonha de amar!
    Bjs. Lilian

     
  • At 9:10 da tarde, Blogger Hey day of mine said…

    "Não vou desperdiçar forças em romantismos sem retorno" - e se (e quando) és tu que não consegues retornar o romantismo?

     
  • At 1:18 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    Para sermos felizes, temos que viver um sorriso de cada vez Bernardo! beijo

     
  • At 12:30 da tarde, Blogger Suspiros said…

    Sem serem necessárias palavras deixo-te um sorriso "de contribuição e importância"... :)

    Miss you..

     
  • At 4:25 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    É lamentavelmente verdade…
    AMOR!
    Aquela palavra que corre de boca em boca, que se torna vulgar por ser exposta, mas nem por isso sentida!
    Cada vez mais perdida entre o desejo e o medo da solidão.
    Hoje a cumplicidade, companheirismo, carinho, amizade não são “ingredientes” fundamentais numa relação, não existe respeito nem tão pouco compreensão… existe sim uma luta constante de sobrevivência, cada um tenta agarrar-se aquilo que considera ser seus ideais e passa por cima de tudo e todos tornando a luta por a felicidade uma batalha individual… Somos culpados por permitirmos que a troca de um beijo se tornasse algo insignificante, quebrando as sensações, as palpitações, extinguindo todo e qualquer sentimento que poderia envolver cada momento que existisse numa troca de carinho.
    Somos culpados por permitirmos que aquela pessoa que nos abriga em seus braços quando nos sentimos de certa forma inseguros ou desprotegidos, que nos enche de coragem quando tememos o mundo, que nos ouve sem opinar, se preocupa, que batalha a cada dia a nosso lado, que nos beija quando tememos a sua perda e que nos sussurra todos os dias de manha amo-te… Não passe agora de um príncipe que só existe em belos e ilustrados contos de fadas!!
    Talvez tenhas razão… “Antes só que mal acostumado”…

     
  • At 9:29 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Adorei o texto, Bernardo!
    Sem dúvida que os românticos são raros hoje em dia e, por isso, há que dar muito valor aos poucos que restam, pelo menos na minha opinião pessoal.
    Parabéns pela forma como escreves, muito agradável de ler :).
    Beijinhos,
    Mara

     
  • At 12:36 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Bem...tenho a dizer que é refrescante descobrir que um rapaz da tua idade raciocina desta maneira. E consequentemente mereces toda a minha admiração.

    Amor é uma palavra que se banalizou da mesma forma que o sexo - resultado das modernices que para muitos nos tornaram mais inteligentes, mas na realidade e na minha humilde opinao, tornaram nos basicos, profundamente egoistas e intolerantes na grande maioria.
    Infelizmente os objectivos de vida alteraram se e poucas sao as pessoas que conhecem o significado de companheirismo, cumplicidade, compromisso, fidelidade...

    Confesso que fiquei sensibilizada com o teu texto...por ter vários exemplos muito parecidos na minha familia, percebo perfeitamente o que querias dizer e mostrar no teu ensaio... Passa-se o mesmo comigo (menos na parte dos caes) llolll
    Enfim, so para concluir, lembro te que "a esperança é sempre a ultima a morrer" ;-)

     
  • At 5:53 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    As descobertas de memórias,o romântismo escondido de timidez,a poesia que nas palavras são soletradas pela doce voz.Os momentos passados, as alegrias vividas, as dores compartilhadas,uma carta escondida pronta para revelar e relembrar que bons costumes ainda existem. Memórias que na mais pequena caixinha se torna na maior lição e dedicação existente.
    Valoriza cada momento vivido e cada momento por viver,pois pessoas sábias seram sempre uma força de inspiração...

    Ass.
    BD

     
  • At 5:05 da tarde, Anonymous Patrícia said…

    Vi-te ao longe
    Uma alma chorando amor
    Um corpo cansado
    de quem carrega toda a dor do mundo
    Derrotado pela vergonha dos outros,
    Confrontado com o orgulho de muitos,
    Os teus olhos aparentemente felizes
    Desvaneceram perante os meus.

    Afastou-se a cortina,
    Raiou tristeza, choveu dor.
    Sorriste como quem pede perdão
    pelos outros
    Riste como quem anseia o descanço
    do herói
    Mas choraste como quem sonha ser feliz.
    Vi em ti Felicidade, senti a tua Esperança.
    Se um dia amar alguém, será alguém como tu.

     
  • At 3:08 da tarde, Anonymous Lua said…

    Tu és uma pessoa maravilhosa! Cada vez gosto mais de ti. TEns uma forma (coragem) de ver a vida diferente do que se tornou "normal"( banal, superficial, egoísta...) nos nossos dias. ESpero sinceramente que não permitas que o "passado" menos agradável da tua vida te "tolde a visão (e o coração)", e que consigas sempre ser tu mesmo. Sara as feridas, arquiva o passado... e dá um passo ( de cada vez) mas sempre em frente em direcção ao presente e futuro.
    Ah! Abre o baú do romantismo... ainda há quem goste e saiba apreciar e dar valor! Continua a marcar a diferença num mundo superficial, egocêntrico e de supostos valores... que na minha humilde opinião, errados, nos tornam tão vazios e desprovidos de qualquer essência!És uma pessoa linda :-)Adoro-te...

     

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